*Victor Hugo Folchini Sebben
Tinha que sair à rua naquele dia. Não haveria outra escolha. Afinal, precisava trabalhar. Era segunda-feira. A vergonha era tanta que preferiria não colocar a cara para fora por pelo menos uma semana. “Meu Deus”, pensava, “como a vida é...”.
Saiu de casa. Logo na saída, percebeu que, se continuasse em linha reta, daria de cara com o seu Manuel, português que cuidava não de uma padaria, mas de uma gráfica local. Atravessou a rua. Não queria se expor à humilhação pública antes que isso fosse estritamente necessário.
Prosseguiu o caminho para o trabalho. Precisava caminhar três quarteirões até chegar ao prédio comercial Andorinha Azul, onde trabalhava. Na esquina, quase topou com o Nestor, velho companheiro de copo. Por sorte, ouviu a voz do amigo conversando com alguém e, antes que ele virasse a esquina, pulou portão adentro para o pátio da vizinha Raquel. Despedaçou umas roseiras na descida. Explicaria mais tarde. Ela, com toda certeza, entenderia. Partilhava de seu sofrimento. “Meu Deus”, pensou de novo, “essa passou perto”.
Mas ao salvar-se do amigo encontrou, em seu destino, o cachorro da vizinha. Sem esperar qualquer explicação, o quase sempre simpático cãozinho tentou abocanhar-lhe a perna e rasgou-lhe a calça de abrigo barata. “Menos mal que é barata”, refletiu ele.
Diante da ameaça, pulou rapidamente para fora do pátio. Colocou o capuz da jaqueta, que lhe cobria quase toda a cara, e passou apressadamente em frente ao bar do Jorge, torcendo para que ninguém lá o reconhecesse. Passou ileso.
Enquanto atravessava a pracinha, avistou dois velhos conhecidos conversando aí perto. Não deu chance para o azar: esgueirou-se por trás das árvores, correu para onde ficavam os brinquedos e foi movendo-se rapidamente, escondendo-se atrás dos balanços. Tropeçou e caiu de cara na areia.
Depois de muito esforço, chegou ao local de trabalho, são e salvo. Quando se aproximava da porta do edifício, o telefone celular tocou. “Oh não, eles não vão parar de tentar me pegar!”, pensou ele, nervoso. Não atendeu. Subiu rapidamente as escadas. Chegou para trabalhar na agência de publicidade onde era Diretor de Criação. Aí ninguém se importaria com sua situação. Ninguém tentaria destruí-lo, com toda certeza. Teria somente que aguentar uma piada ou outra.
Jovem torcedor mostra seu fanatismo por futebol durante a Copa de 2006 |
Chegou apressado, com cara de irritado, para não oferecer nenhuma margem. Estranhou o silêncio sepulcral. Cumprimentou a secretária e se dirigiu ao seu escritório. Entrou. Olhou, sem poder acreditar, que havia subestimado seus inimigos. Sua parede estava manchada, e seu ambiente de trabalho profanado, por uma página de jornal colada com fita. Nela, a terrível manchete, em letras enormes: “6 x 1: a maior goleada da história do clássico”. Seus amigos com toda certeza tinham estado aí um pouco antes dele para pregar-lhe a peça. Aceitou o fato de que não poderia viver se escondendo de qualquer modo. Teria de conviver com a humilhação por muito tempo. Sabia que aquele fato seria lembrado e relembrado em cada conversa de bar. Sentou em sua mesa e desandou a chorar...
*Aluno doVII nível de jornalismo On-line.
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