sábado, 27 de junho de 2009

A Obra-Prima

Luis Henrique Boaventura

A mulher e os dois filhos já o esperavam há horas quando ele chegou em casa, com o terno molhado da chuva, sem a maleta, e carregando um queijo redondo de mais de 10 kg.

- Pelo amor de Deus, onde você estava?
- Fui a uma exposição.
- Liguei pro escritório, pros seus amigos, pra sua mãe, pro... foi aonde?
- A uma exposição. Arte, Patrícia. Troço muito fino.
- Foi a uma “exposição”?... Você está todo molhado. E cadê sua maleta? E que raio de queijo é esse?
- Tive que deixar a maleta na galeria pra poder trazer a obra, e o taxista não a quis no carro dele, aí eu vim a pé.
- Trazer o que?
- A “obra”. A “peça”, o artefato, a obra-prima, o objeto conciliador.
- Mas isso é um queijo!
- Deixa de ser ignorante, mulher.
- E você é intolerante à lactose Edgar, o que você vai fazer com isso?
- Isso não é pra comer, pelo amor de Deus. Da Vinci comeu a Mona Lisa? Michelangelo saiu lambendo o teto da capela Cistina? Aliás, provavelmente foi o que aconteceu com a Vênus de Milo...
- Gu, Eduardo, vão pro quarto de vocês. Agora.

As crianças saíram, enquanto Patrícia seguia perplexa observando Edgar, que afastou a mesinha de centro e colocou o queijo no meio da sala.

- Que você acha, tá bom aqui?
- O que você está fazendo?
- Eu acho que precisamos mudar o tapete. E esses sofás, precisamos de sofás mais claros. E precisamos pintar a casa, esse tom pastel está ofuscando a obra.
- Isso é uma brincadeira? De que forma você quer que eu acredite que você comprou esse queijo em uma galeria, Edgar?
- Forma, forma. Você está certa. Precisamos sintonizar as formas. Nossos móveis são cheios de ângulos retos, destoam da peça. Precisamos remobiliar a casa.
- O que tem de errado com a nossa casa?
- TUDO errado. Lá na galeria eu vi esse tijolo de seis furos, precisamos dele.

Ela começa a chorar.

- Você quer terminar, não é? Você quer o divórcio.
- Por que eu iria querer uma coisa dessas?
- Você tem outra, eu sabia. Por isso chegou sem a maleta, esqueceu na casa dela. Aí inventa essa história ridícula de queijo em uma galeria de arte e espera que eu acredite!
- Você não entende. Trata-se da confluência dos tempos. O misto entre o barroco e o pós-moderno num contexto niilista de finitude existencial. É praticamente um resumo de tudo, a síntese da vida. Não precisamos de mais nada para dizer quem somos, de onde viemos e para onde vamos. É a chave do universo, a quintessência da matéria!

Enquanto isso ela arrumava as malas e pegava as crianças.

- Vou pra casa da mamãe. Quando você for homem o suficiente pra me contar a verdade, sabe onde me encontrar. Caso contrário, eu mando meu advogado.
- Separação?
- Não era o que você queria? Se você não está feliz com nosso casamento, vamos acabar com isso de uma vez. Vamos nos separar. Eu fico com o apartamento. E eu levo as crianças!
- Tá bom, mas o queijo é meu.

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