Eugênio Giaretta *
Foto Divulgação/Google Imagens |
Através do relógio, ao fundo do corredor do hospital da cidade, era possível ver os ponteiros formando um V. Eram dez e dez da manhã. Sábado. Jandir caminha cabisbaixo e tristonho. Quando ergue a cabeça, com muito esforço, o relógio lhe cresce à frente. A mulher, Marta, acabara de perder o filho, no parto prematuro, e se recupera na sala. Está inconsolável. O pai, que mal consegue pensar, de forma sóbria, diante do imprevisto, não imagina que o corredor pelo qual avança é um túnel. A luz não está no final, mas logo ali na frente, ao lado esquerdo. Não consegue pensar em outra coisa a não ser no sonho que alimentaram durante sete meses e que terminava ali, naquele hospital indesejado. Ao avançar alguns passos, a luz lhe flecha a face e faz olhar para o lado. Era a claridade da lâmpada que iluminava a maternidade e ultrapassava o vidro que servia de parede. Girou noventa graus e permaneceu em pé, imóvel. A imagem de dezenas de recém nascidos lhe aumentou a agonia e lhe sufocou a respiração. Lembrou da mulher e pensou: “teremos de esperar mais alguns meses”. Enquanto isso, uma enfermeira entra pela porta, que fica à direita do pai desconsolado que, através do vidro, a vê depositar na sua frente, em uma das incubadoras, uma recém-nascida. Ao aconchegar-se na redoma de tamanho limitado, a menina lança ao homem perplexo um olhar que brilha e desperta nele um sentimento imediato de apreço. Jandir refaz o giro de noventa graus, agora em sentido contrário, e se dirige para a porta, de onde pede licença à mulher para perguntar: Como é o nome desta preciosidade? Depois de um silêncio breve, com semblante sério, e olhar cabisbaixo, a resposta: “Ela foi abandonada pela mãe. Não sabemos quem é a infeliz. Portanto, a pobrezinha não tem nome”. “Vitória”, pensou Jandir. imediatamente, com olhar firme e determinado para a pequenina: “Ela é minha”, avisou, sem mudar a direção do olhar. “Eu vou adotá-la”, completou, com tom ainda mais determinado. Imediatamente, curvou-se para a porta e, já andando, murmurou: “vou dar a notícia à minha mulher. Tenho certeza de que esta menina apagará nosso sofrimento e nos dará a alegria de que precisamos”. Já passava das dez e meia e, a essa hora, Marta já estaria sóbria o bastante para refletir sua perda irreparável. Sóbria o bastante para assimilar a novidade. Jandir olha corredor afora e só agora percebe que está tomado por macas e doentes agonizando e esperando. Esperando por um atendimento que talvez nunca virá. Sem olhar para os lados, aperta o passo em direção ao quarto onde Marta se recupera e, com um sorriso na alma, prepara, em sua mente, a surpresa à mulher. Sua felicidade se divide entre a possibilidade de ter o filho tão esperado e a ansiedade da boa nova para a sua amada. Enfim se depara com ela, deitada, em prantos sobre a cama, cuja cabeceira está levemente suspensa. Ao perceber a aproximação do marido, Marta se espanta com o sorriso estampado em seu rosto e, imediatamente, o pergunta? “Como podes rir dessa situação? Crápula insensível!” Sem se sentir ofendido pelas palavras da mulher, Jandir não demora a propor o que tinha decidido e completa: “O nome dela será Vitória. A nossa vitória. Nós vamos adotar uma menina linda”. Marta não se sensibiliza. “Nada vai substituir o que perdemos: o nosso filho”, e continua em prantos, agora de forma mais intensa”. Jandir fica estático e, já sem a felicidade que antes lhe tomava a face, se volta para a porta que dá para o corredor e, lentamente, vai se retirando, frustrado. Quando já ultrapassava a porta, ouve uma voz arrependida que lhe diz: “Meu amor”. Interrompe, então, o movimento e, depois de alguns segundos imóvel, dirige novamente o olhar para Marta e a ouve completar: “Me desculpa. Você está coberto de razão. Esta menina há de ser a nossa alegria, daqui para frente”. O sorriso volta à face de Jandir que, depois de um breve silêncio dedicado à sensação de alegria interior, avisa Marta: “Vou tomar, agora mesmo, todas as providências legais para concretizar nossa decisão”. Ainda na sala de recuperação, a mãe adotiva recebe, dos braços de uma enfermeira desconhecida, a menina, o filho tão desejado. O agora pai está ao lado e presencia a cena, degustando da mesma felicidade de Marta. Como num passe de mágica, o tempo parecia ter voltado algumas horas...Ou então avançado os meses necessários para o desenrolar de uma nova gravidez. Vitória tem, agora, cinco anos e a ferida da perda cicatrizou em apenas algumas horas.
*Acadêmico do sétimo nível de Jornalismo
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