Luis Henrique Boaventura
A questão da exigência da diplomação em jornalismo sempre levantou muita poeira, e estou excepcionalmente metaforizando a coisa aqui porque de algum modo na minha estranha visão das coisas isso significa que o assunto é importante. Não se pode (ou não se permite) ver muito além da sombra de si mesmo através da bruma de fragmentos de opinião desfocadas quando se discute o tema, e este é um problema crônico que vem eclipsando quaisquer chances de se chegar a algum lugar ou mesmo simplesmente satisfazer nossos egos miseráveis nas alas de comentários de blogs e sites na internet. Salvo raríssimos casos, o que se vê é uma atitude rígida e defensiva tomada como ponto de partida antes mesmo de se começar a ler qualquer texto que vá de encontro à sua opinião. E estou falando dos dois lados. É preciso ter paciência, na nuvem de comentários vagos e indignados, para encontrar os que opõem seus adversários de debate com frieza e argumentos objetivos.
Mesmo assim seria negligência ignorar que os textos mais apaixonados e conseqüentemente mais inúteis têm vindo dos próprios jornalistas, do mesmo modo que me parece inegável o tom pelo qual os profissionais e acadêmicos da classe interpretaram não apenas a decisão do STF, mas toda a idéia do fim da obrigatoriedade: como um ato de afronta e desvalorização (sem generalização, eu mesmo sou contra a exigência do diploma). O grande problema conduzido pela sensação de injustiça é que essa noção de classe vitimada catapulta o debate pra um nível estratosférico, romântico e nenhum pouco prático. Partindo pelo próprio pronunciamento da FENAJ logo após a decisão do STF.
O tom radical já é carimbado pelo título, onde a FENAJ finge que todos os 80 mil jornalistas e que todos os 180 milhões de brasileiros (com exceção dos 08 ministros) apóiam a obrigatoriedade do diploma. E o texto em si é ainda mais sem propósito, abusando de adjetivos sonoros e frases folclóricas como se fosse um discurso vociferado a uma massa eufórica e como se isso em algum mundo torpe (no qual muita gente embarca e pretende existir) substituísse uma série de argumentos práticos, de análise das conseqüências e do que pode ser feito a respeito sem parecer induzir uma marcha de tochas à meia-noite.
Este sentimento vermelho embandeirado tão ferozmente apenas atrapalha o que os jornalistas (mais unidos do que nunca, trunfo que deveria ser melhor aproveitado) e órgãos como a FENAJ e a ABI poderiam estar fazendo neste momento: refletir acerca do contexto atual da profissão, pôr na balança o que pode ser feito a respeito da decisão do STF (embora nada possa e eu tenho consciência de que acabei de encorajar uma perda de tempo, mas estou apenas elencando opções), e acima de tudo, trabalhar com as conseqüências que se acredita estarem sendo desencadeadas com a decisão. Se, portanto, caso a qualidade do jornalismo vá despencar desta forma, que se trabalhe de verdade buscando soluções para que se aprimore a qualificação dos profissionais e a qualidade dos cursos de jornalismo no país, tão duramente criticados, na maioria das vezes, pelos dois lados do debate.
É muita energia sendo despendida no alvo errado ou de pouca relevância efetiva jogando no lixo uma mobilização de idéias massiva que teria tudo para obter resultados positivos não só para os próprios jornalistas e o jornalismo, como toda a sociedade.
O Medo, a Dúvida e a Insegurança
Esta segunda parte do texto é inevitável já que provavelmente eu seja o único desta turma a apoiar o fim da obrigatoriedade. O que eu vi na opinião da grande maioria dos estudantes de jornalismo em blogs e fóruns é produto de insegurança, ou certo medo do futuro e de que a representação física (diploma) dos seus anos de aperfeiçoamento pessoal não valham absolutamente mais nada. É claro que certamente, nesta grande maioria, pode haver idéias válidas e relevantes, mas terminam sempre obscurecidas pelo sentimento.
Pois bem, já foi dito e redito em uma centena de lugares internet a fora, mas: os que acham que apenas o diploma é que era importante, e que o conhecimento adquirido no seu curso (algo que nem um batalhão de ministros pode tirar de você) fica valendo absolutamente nada após a decisão do dia 17, não se sobressairia no mercado de trabalho de jeito nenhum, de lugar nenhum, nem que fosse o único ser humano diplomado na face da terra.
A interpretação dos diretamente envolvidos pela decisão do STF é claramente distinta da opinião de outras pessoas, com outras carreiras e outras ocupações. Para a maioria do primeiro grupo, o STF está praticando uma desvalorização e reduzindo a profissão de jornalista a de um vendedor de bananas [/radicalizações = off], enquanto que para o segundo grupo a não-exigência do diploma surge muito mais como um reconhecimento aos jornalistas formados pelos anos de trabalho. E isto naquele campo mais aéreo do que propriamente objetivo e relevante na prática (o que quer dizer que, apesar de não ser completamente sem importância, toma um tempo e um espaço na discussão que poderia ser melhor aproveitado).
Há algumas distorções interessantes no debate. Uma delas se conecta ao parágrafo anterior: latente na maior parte dos discursos a favor da obrigatoriedade está a idéia de que, por ser uma necessidade, os jornalistas não-diplomados são incompetentes, semi-analfabetos e sem ética alguma. Se os jornalistas se sentem ultrajados pela decisão do STF, estão automaticamente obrigados a reconhecer que o sentimento também é válido nos jornalistas sem diploma. Cursar uma universidade tanto não vai garantir a excelência do trabalho (isso em qualquer área, afinal), da mesma forma que não cursá-la vá transformá-lo num idiota incompetente com 30 anos de carreira.
Na prática (e por isso acho que o debate deveria ser melhor aproveitado), pouquíssimo vai mudar. Num contexto em que a internet deu voz ao mundo e transformou-o num jornalista 24 horas, o mercado já faz há algum tempo a seleção natural dos profissionais. Por isso não há razão para tanto medo porque um documento (e não todo o conhecimento adquirido que ele supostamente atesta) deixa de ser obrigatoriedade legal (ou talvez a razão da insegurança seja exatamente esta). Diplomados ou não, os melhores serão escolhidos e os piores encontrarão um bico de mariachi de serenata mexicana nas noites de sexta. As empresas jornalísticas (como qualquer empresa) estão interessadas unicamente no resultado que o seu funcionário oferece. Os que se sentem capazes de oferecer qualidade e os que vêem a universidade como um local de absorção de conhecimento antes de uma gráfica de diplomas, não ficarão sem emprego nunca.
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