Andersson Catani
Acadêmico de Jornalismo, VII nível
Quando eu tinha uns dez anos, ouvi da boca da minha professora Marineusa, de ciências – na época, escola de freiras não tinha nem biologia, nem física e nem química: tinha ciências – que o homem era um animal. Foi um choque tremendo. Mas-o-que-ela-está-pensando? Como podia me chamar de animal? Pior: chamar o meu pai de animal? E pior ainda: Chamar o Ayrton Senna – na época, meu ídolo supremo – de animal, e ainda sair impune? Mas ela chamou. Mais ou menos assim:
- O Homem é um animal...
E eu me segurando para não falar umas verdades àquela velha.
- ... Racional.
Quando ela explicou a diferença entre racional e irracional, minha raiva irracional – agora eu sabia o que era irracionalidade – começou a abrandar. Cheguei em casa todo pimpão, com os quatorze quilos da minha mochila acentuando minha escoliose, e fui correndo contar para a mãe o que eu havia aprendido. Ela era um animal.
- Mãe! Aprendi na aula que somos todos animais! Eu, você, o pai, a vó, o Julio César – Júlio César era o nosso Labrador.
- E a tua professora explicou a diferença entre você e o Julio César?
- Sim! É que o animal homem é capaz de fabricar sua própria comida, de pensar antes de agir e de disternir o certo e o errado.
- é “discernir”, Andy.
- Foi o que eu falei. Discernir.
- Não, você falou “disternir”, com tê.
E assim por diante. Mas o importante é que eu havia aprendido a lição primordial. O Homem é um animal racional, que se distingue das outras espécies pela capacidade de raciocinar, interagir, criar e conservar. Mais tarde, eu aprenderia que tudo isso só foi possível por causa dos dedões opositores. Lembro-me da felicidade daquele verão, quando eu olhava para o Julio César e dizia: Eu sou um animal raciona-al, você na-ão!
Estas certezas de criança, que provocam um contentamento quase sem sentido, tendem a provocar profunda decepção no futuro. Ontem, quando ia a pé para o trabalho, fui atropelado sobre a faixa de segurança. O primeiro carro até parou, mas o que vinha atrás não. Bateu no da frente, que veio parar em cima de mim. Por sorte, sofri somente alguns hematomas e arranhões, mas poderia ter sido grave. E o pior estava por vir. O motorista culpado pelo acidente estava enfurecido comigo, dizendo que eu havia provocado a colisão, ao tentar atravessar a rua.
A Marineusa estava errada. Nem todos os seres humanos são racionais. No trânsito, muitos de nós voltamos às origens das espécies. Não distinguimos o certo e o errado, e agimos pela lei do mais forte, ou do mais potente, ou do maior, como no tempo das cavernas. Que vergonha. Naquela hora, sentado no asfalto com os cotovelos sangrando, lembrei do Júlio César. O máximo que ele fazia era ficar com a língua de fora, pegando vento na janela, com aquela cara de bobo. Pelo menos, não machucava ninguém.
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