Dieli Mattje, acadêmica de jornalismo, VII nível
A primeira vez que fui ao cinema na minha vida foi quando minha mãe me levou para assistir “O Rei Leão” no extinto Cine Pampa em Passo Fundo. Na época ir ao cinema para mim fora uma experiência inexorável: um cinema enorme, você simplesmente sentava, assistia ao filme e podia ir embora satisfeito com o programa.
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Depois dessa febre que a saga “Crepúsculo” causou no mundo todo, ir ao cinema tem se tornado uma das mais difíceis experiências pela qual um ser humano pode passar, sem contar o fato de ter que percorrer nossas maravilhosas linhas de ônibus e pessoas mal-humoradas, provavelmente chegar atrasada, e ficar meia hora na fila torcendo para que os ingressos de “Lua Nova” não esgotarem antes de chegar ao guichê. Se conseguir sobreviver a tudo isso e encontrar um ingresso, me sentarei em uma confortável poltrona, que simpaticamente carrega um chiclete que grudará na minha calça.
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Atrás de mim, um belo casal apaixonado que parece que faz questão de ficar mais romântico quando um solteiro se aproxima, é o que eu chamo de rasgar dinheiro na frente de pobre; à frente, dois amigos conversadores, discutindo a influência de Tarkovsky (link com http://pt.wikipedia.org/wiki/Andrei_Tarkovski) na estética do cinema soviético. Ao meu lado, uma carinhosa mãe e seu pequeno rebento.
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As luzes diminuem de intensidade e, voilá, um comercial de carros, outro de hotéis e um terceiro sobre supermercados. Como se não bastasse, cinco minutos de propaganda do próprio cinema e das eficientes regras de segurança rendem uma experiência cultural sem tamanho. O jovem casal já se beija ternamente, e a dupla à minha frente resolve discutir cinema brasileiro e retrato das favelas cariocas.
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Os trailers começam, mas os atrasados estão chegando. Um trailer interessante chama a atenção, mas não consigo vê-lo porque um atrasado não consegue enxergar os degraus e parou no meio da escada para escolher seu lugar. Há várias cadeiras vazias, mas ele sabiamente elege uma na minha fileira. O espaço é mínimo e ele tem que passar: grudo as costas no encosto, enfio os pés debaixo da poltrona, torço as pernas e seguro o ar. Ele se senta e eu ganho um estiramento muscular.
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O filme começa, o logo do estúdio aparece na tela e os cinéfilos à frente resolvem discutir a história do cinema sob a óptica crítica dos anos oitenta. Quando as primeiras legendas aparecem, o pequeno rebento começa a reclamar que não está conseguindo acompanhar e sua mãe Jocasta começa a resumir as cenas de amor entre vampiros para ele. O casalzinho não consegue mais segurar os ânimos. O menino, inexperiente coitado, acha que vai copular ali mesmo e, na ânsia de subir em cima da amada, começa a chutar minha cadeira. Pá. Pum. Pá.
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Antigamente o cinema era escuro, hoje não mais. O atrasado, provável bussiness man, quer saber o horário e abre seu celular holofote ofuscante que demora quase 1 minuto para se apagar. A dupla de homens letrados resolve escrever uma mensagem para alguém no meio do filme, o que rende mais alguns minutos de cinema ao sol do meio dia. O pequeno rebento está agitado. Por que raios alguém traz uma criança num filme legendado? Pá. Pum. Pá. Pum. Os chutes ficam mais fortes à medida que a coisa esquenta lá atrás. A trilha sonora do filme compete com os gemidos do casal.
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Depois de narrar o filme por mais de uma hora, Jocasta resolve tirar pequeno rebento, já chorando sem parar com medo daquelas caras pálidas na tela, do cinema e nos traz um pouco de paz. Doce engano. Cena dramática, silêncio no filme, só os olhares dos atores preenchem as salas… Musiquinha de balada, é o celular do bussiness man tocando. Não sei por que me surpreendo, mas o indivíduo atende a geringonça e começa a discutir a cotação da bolsa. A dupla de cinéfilos começa a disputar entre si quem entende mais de cinema e quem vai adivinhar primeiro o fim do filme. Pá. Pum. Pá. Pápá. Pápápápápápápápá.
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O casal lá atrás chegou ao êxtase e minha poltrona virou cadeira de massagem. Me lembro de outro filme: Um dia de fúria. Vontade de levantar e dizer: dá pra parar de chutar a porcaria da minha cadeira?! Será que vocês podem destilar seus saberes outra hora?! Até que horas você vai falar nesse celular?! Silêncio total. Finalmente poderei assistir ao filme em paz. Não desta vez. As luzes se acendem e o letreiro enche a tela. Eu realmente preferia a época do Rei Leão, por isso que ninguém me tira da cabeça de esperar que Lua Nova saia em DVD.
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